O barato da sálvia

21 de julho de 2014 | Autor: antonini

Consumo da erva como alucinógeno por jovens pode prejudicar as pesquisas para uso terapêutico.

KEVIN SACK

BRENT MCDONALD
DO “NEW YORK TIMES”


Enquanto um amigo gravava em vídeo, Christopher Lenzini, 27, de Dallas, tomou uma dose de Salvia divinorum, considerada a mais poderosa erva alucinógena do mundo, e começou a imaginar que estava em um barco com pequenos homens verdes. E não demorou a cair, às gargalhadas. Quando ele postou o vídeo no YouTube, algumas semanas atrás, foi visto várias vezes.

Há uma década, o uso de sálvia estava limitado a pessoas que buscavam revelações com xamãs em Oaxaca, no México.

Hoje, esse membro alucinógeno da família da hortelã está legalmente disponível, nos EUA, pela internet e em lojas de produtos naturais, e se tornou uma espécie de fenômeno entre os jovens. Mais de 5.000 vídeos no YouTube documentam as jornadas dos usuários à incoerência e à perda da coordenação motora. Alguns já foram vistos 500 mil vezes.

No entanto, as imagens que ajudaram a popularizar a sálvia podem acelerar a proibição de sua venda legal e solapar pesquisas promissoras sobre seus potenciais usos medicinais.

Os farmacologistas que acreditam que a sálvia poderia abrir novas fronteiras no tratamento de vícios, depressão e dor temem que, caso seu uso seja criminalizado, obter e armazenar a planta se tornaria difícil, assim como conseguir permissão para testá-la em humanos.

Em vários Estados, os vídeos se tornaram a principal prova para a regulamentação da sálvia. A Flórida, por exemplo, tornou crime passível de até 15 anos de prisão a posse ou venda da erva. Na Califórnia, a venda a menores virou um delito.

Segundo dados do governo federal norte-americano, cerca de 1,8 milhão de pessoas já experimentaram a sálvia -sendo que 750 mil delas provaram a erva nos últimos 12 meses. Entre os homens de 18 a 25 anos, o consumo foi relatado por 3%, o que a torna duas vezes mais utilizada que o LSD e quase tão popular quanto o ectsasy.

Pesquisas iniciais
Ainda que as pesquisas estejam apenas começando e pouco se conheça sobre os efeitos de longo prazo do uso, não há estudos sugerindo que o uso da sálvia cause vício ou que seus usuários sejam propensos a overdoses. Na verdade, a experiência com a sálvia pode ser tão intensa -e tão perturbadora- que muitas pessoas só usam a erva uma vez, e até os usuários mais dedicados controlam a freqüência de uso.

Não existem relatos sobre situações em que o uso da sálvia tenha levado alguém a recorrer a um pronto-socorro, em larga medida porque os efeitos da erva em geral desaparecem depois de alguns minutos.

Com poucos dados, a DEA (agência de combate às drogas dos EUA) dedicou mais de uma década a estudar se acrescentará ou não a sálvia à sua lista de substâncias controladas, como já fizeram diversos países asiáticos e europeus.

Conhecida nas ruas como “Sally D” e “magic mint”, a sálvia pode ter efeitos muito diferentes dependendo da dosagem, da potência e da tolerância dos usuários, de acordo com pesquisadores e pessoas acostumadas a fumá-la (ainda que amarga, ela também pode ser mastigada ou bebida). Dezenas de fornecedores online vendem extratos amenos por preços a partir de US$ 5 por grama; as versões mais fortes, com potência até cem vezes maior do que a da folha não processada, são vendidas por mais de US$ 50 o grama.

Os usuários apresentam súbita dissociação de personalidade, como se viajassem no tempo. A experiência tende a ser solitária, introspectiva e ocasionalmente assustadora.

“Já usei diversas substâncias psicodélicas, e a sálvia definitivamente é a mais intensa experiência que tive”, conta Brian Arthur, fundador da Mazatec Garden, que vende sálvia e outras ervas pela internet. “A sálvia nos tira do mundo e nos coloca em um lugar diferente.”

Uso contemplativo
Os usuários regulares da Salvia divinorum afirmam que ela pode ter efeito restaurador e até mesmo tônico espiritualmente, e se recordam com exatidão de suas visões.

As pessoas que defendem o uso contemplativo da sálvia desdenham de quem posta vídeos engraçadinhos sobre o efeito da erva no YouTube, por seu desrespeito ao poder e ao propósito da sálvia.

“Eles realmente não a estão usando como ferramenta para explorar sua psique”, diz o californiano Daniel Siebert, que foi um dos pioneiros na produção de extratos de sálvia. “Essas pessoas só gostam de usar a sálvia porque dá barato.”

As leis de restrição à venda e ao uso da sálvia podem representar obstáculo considerável para pesquisadores em instituições como as universidades Harvard e do Kansas, que estão convictos de que a salvinorina A, o componente ativo da erva, é bastante promissor e pode ajudar no desenvolvimento de novas linhas de medicamentos psiquiátricos e analgésicos.

Em 2002, o médico Bryan Roth, hoje na Universidade da Carolina do Norte, descobriu que a salvinorina A estimula apenas um receptor no cérebro -o receptor de opiáceas kappa-, o que a torna uma substância única. O LSD, por exemplo, estimula cerca de 50 receptores. Segundo Roth, a salvinorina A representa o mais poderoso alucinógeno, em termos de concentração, que pode ser encontrado na natureza.

Depressão e Alzheimer
Ainda que os efeitos debilitantes da salvinorina A tornem improvável que ela seja considerada um agente farmacêutico, sua química poderia permitir a descoberta de derivados valiosos. “Se conseguirmos encontrar um medicamento que bloqueie os efeitos da sálvia, há boas provas de que isso poderia ser usado no tratamento de distúrbios cerebrais, como depressão, esquizofrenia e Alzheimer, e até do HIV”, diz.

Muitos cientistas acreditam que o consumo da sálvia deva ser regulamentado, como acontece com o álcool ou o tabaco, e se preocupam que criminalizar o uso possa bloquear suas pesquisas antes que dêem frutos.

“Temos esse novo e incrível composto, o primeiro em sua classe. É evidente que ele tem potencial medicinal, e estamos falando de sufocar seu uso porque algumas pessoas se embriagam com ele”, afirma o farmacologista John Mendelson, do California Pacific Medical Center Research Institute, que vem estudando o efeito da sálvia em seres humanos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI
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