O dilema dos vírus
28 de novembro de 2010 | Autor:
antonini
Os vírus mais letais são os menos
contagiosos. Mas suas mutações não tiram do caminho a possibilidade
de que um deles mate milhões.
Até o fechamento desta edição a gripe suína não tinha arrasado o
mundo. A humanidade pode ter escapado desta vez – mas a pulga atrás
da orelha não. Se não o vírus da gripe suína, será que algum outro
poderia deixar um estrago realmente grande, com milhões de mortos
pelo seu caminho? Sim. Isso acontecerá caso surja algum vírus
altamente transmissível e 100% letal. Não é impossível. Mas, para
isso acontecer, os vírus precisam resolver um dilema: os mais
facilmente transmissíveis são pouco letais. E os mais letais são os
menos contagiosos.
Os altamente transmissíveis são os que passam de humano para humano
pelas vias aéreas, como gripes, catapora e sarampo. Os vírus são
espalhados pelo ar quando um infectado espirra ou tosse. Para você
se expor, basta não estar imunizado e respirar – ou tocar numa
superfície contaminada e levar a mão ao rosto.
A gripe do tipo A, a suína, é especialmente perigosa porque seu
vírus passa por mutações dramáticas. E a cada cepa surge uma doença
para a qual o sistema imunológico não sabe a resposta. Mas, mesmo
quando aparecem supervírus, a fatalidade deles tem sido
relativamente baixa. A gripe espanhola, por exemplo, matou mais do
que bala de carabina em 1918 e 1919. Mais mesmo: foram 50 milhões de
vítimas – 6 vezes mais que a 1a Guerra Mundial, sua contemporânea.
Muito, mas isso corresponde a apenas 2,5% dos infectados. Já o vírus
do ebola têm fatalidade de até 90% – diarreia hemorrágica, vômito
negro, sangue, sangue, sangue e morte. Mas foram poucos os casos. E
por um motivo simples: o vírus mata tão rápido que acaba “se
suicidando” antes de se espalhar decentemente. Essa regra, porém,
não equivale a negar que estamos perto de uma pandemia devastadora.
Desde 2005 a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que alguma,
um dia, deverá matar até 7,5 milhões de pessoas.
Para isso, basta que o vírus letal mantenha o doente vivo por tempo
bastante para se espalhar. Além disso, as próprias pessoas já tratam
de se espalhar mais elas mesmas – e aumentar as chances dos vírus.
Em 1918, quando as viagens internacionais eram feitas basivamente de
navio e trem, uma pandemia demorava de 6 a 9 meses para atingir todo
o mundo. Hoje, com 2,2 bilhões de passageiros aéreos circulando
entre as 4 mil cidades com aeroportos no planeta, esse tempo encurta
para no máximo 3 meses. Quando uma supergripe chegar, serão
necessários estoques de vacinas e drogas antivirais, funcionários,
hospitais, equipamentos. E poucos países têm isso em quantidade. Por
essas, a gripe suína pelo menos serviu de alerta para quando a
próxima pandemia vier.
Pandemia ou epidemia?
Muito se falou em “pandemia”, quando a única palavra que as pessoas
conheciam era a outra: epidemia. E não faltou confusão. Mas a
diferença é simples: a pandemia é uma epidemia globalizada. Algumas
doenças ficam instaladas constantemente num lugar ou numa população.
São como a malária, que há décadas infecta cerca de 500 mil pessoas
por ano, mas apenas na Amazônia. Essas são as endemias. Mas o número
de casos pode de repente dar um salto muito grande. Se isso
acontecer, a doença é considerada epidêmica. Por exemplo, a cólera
era considerada sob controle no Zimbábue, até que em agosto de 2008
ela desembestou e em um semestre infectou 91 mil e matou 4 000.
Doenças que até então não existiam também podem ser consideradas
epidemias – tal como a febre hemorrágica ebola. Tanto a cólera no
Zimbábue quanto o ebola ficaram isolados geograficamente. Já quando
uma epidemia pula os muros geográficos e populacionais e se espalha
mundialmente, ela vira uma pandemia. Nos últimos 200 anos houve 7
pandemias de cólera. Nos últimos 100, 3 de gripe. E nas últimas
décadas, mais de 25 milhões morreram de outra pandemia: a aids.
Os passos de uma pandemia de gripe, segundo a OMS
FASE 1
O vírus influenza circula em animais, mas nenhum humano é infectado.
FASE 2
Algum vírus circulante em animais domesticados ou selvagens causa
infecção em pessoas.
FASE 3
Começa a transmissão de pessoa para pessoa, mas em pequena
quantidade e sob circunstâncias restritas.
FASE 4
A transmissão de humano para humano está mais forte: atinge uma
comunidade inteira, pelo menos.
FASE 5
Contaminações de gente para gente ocorrem em mais de um país. É um
forte sinal de que a pandemia está nos rondando.
FASE 6
Grandes surtos da doença acontecem em regiões distantes – em dois
continentes, por exemplo. Epidemia global a caminho.
Texto de Maurício Horta, publicado na revista Super.