Por que tantos hackers estão ficando com raiva?
2 de fevereiro de 2013 | Autor:
antonini
O texto que se segue é de autoria de
Glyn Moody, publicado originalmente, em inglês, no blog
Open Enterprise. A tradução é do Prof. Pedro
Antonio Dourado de Rezende.
É notória essa tendencia recente. Grupos de hackers estão
botando as mãos em coisas que até então estavam trancadas, e
disponibilizando-as livremente online, para grande embaraço e
aborrecimento daqueles envolvidos.
Exemplos bem conhecidos incluem Wikileaks, Anonymous e LulzSec,
aos quais podemos acrescentar mais um nome. Surge agora Greg
Maxwell, que, provocado pela saga de Aaron Swartz, (sobre a qual o
autor antes havia escrito), acaba de disponibilizar por conta
própria um grande coleção de arquivos:
Tal coleção, de 33 GB, contém 18.592 publicações científicas,
todas da Philosophical Transactions of the Royal Society, que
deveriam estar disponíveis sem custo para qualquer um, mas que na
sua maioria só estavam disponíveis a um alto custo, através de
intermediadores virtuais como a JSTOR.
Acesso limitado a tais documentos é tipicamente vendido a US$ 19
por artigo, embora para alguns mais antigos o acesso possa ser
obtido por US$ 8. Comprar acesso a esta coleção de artigos assim,
um por um, poderia custar centenas de milhares de dólares.
A forma escolhida por Maxwell para disponibilizar essa coleção,
que está em domínio público, é particularmente interessante porque
ela vem com uma explicação muito bem articulada a respeito de
porque está sendo feita.
Grandes editoras são atualmente capazes de comprar influência
política necessária para abusarem do estrito escopo de proteção
comercial do direito autoral, extendendo-o para áreas
completamente inaplicáveis: luxuosas reproduções de documentos
históricos e de obras artísticas, e exploração não paga do
trabalho de cientistas, por exemplo.
Com tal influência essas editoras são até capazes de fazer com que
seus ataques à sociedade livre acabem sendo pagos pelos
contribuintes, ao buscarem a via da persecução criminal
(tradicionalmente o direito autoral é matéria cível) e onerando
assim instituições públicas, inclusive com tarifas exorbitantes
por assinaturas de seus serviços.
O direito autoral é uma ficção legal que representa um estreito
acordo de concessões: renunciamos ao nosso direito natural de
intercambiar informações, em troca da criação de um incentivo
econômico temporário para autores, para que todos possam ao final
desfrutar de mais obras. Mas quando editores abusam do sistema
para alavancar sua existência, quando deturpam o alcance e a
cobertura dos direitos autorais, quando ameaçam a torto e a
direito com ações judiciais frívolas para reprimir a disseminação
de obras que estão em domínio público, são eles que estão roubando
de todos nós.
Existem dois pontos importantes aqui. Primeiro, Maxwell destaca a
influência política que está propiciando abusos do sistema de
direito autoral. Mesmo que esse sistema tenha sido algum dia justo
e razoável, certamente hoje ele não é mais, porque grandes
interesses corporativos o perverteram. Nesse percurso, os
extremistas do direito autoral (que se autodenominam
“maximalistas”) vêm cooptando governos para atacarem cidadãos
comuns por compartilharem coisas, com enormes danos a liberdades
básicas.
É por causa da crescente onda de radicalização do direito autoral,
com legislações cada vez mais severas e desequilibradas, tais como
o ACTA, HADOPI, the Digital Economy Act (na Grã Bretanha), La Ley
Sinde (na Espanha) PROTECT IP (nos EUA) e outros, que hackers
estão ficando com raiva. Não é só porque essas leis são em si
injustas e desequilibradas, mas pela maneira como elas vem sendo
impostas.
Geralmente essas legislações são costuradas em encontros secretos
entre políticos de cargos importantes e representantes de
poderosas indústrias. Depois as propostas são novamente discutidas
em outros encontros secretos, onde os grupos da sociedade civil —
os mais afetados por esses esquemas — nunca são convidados. Para
adicionar insulto à injúria, ao cidadão não é permitido conhecer o
resultado desses esquemas antes que estejam finalizados e
implementados.
Em face dessa prepotência e comportamento insultante é que hackers
estão agora começando a reagir, obtendo material que essas forças
poderosas não querem que pessoas comuns vejam — frequentemente
documentos que expõem seu jogo sujo de tráfego de influências. O
que esses poderosos não entendem é que ao tentarem coibir desta
forma uma ampla gama de comportamentos, radicalizando e abusando
das leis autorais — por exemplo, extraditando Richard O’Dwyer por
manter um site que contém links para cópias não autorizadas de
material alheio — simplesmente atiçam mais lenha na fogueira,
levando a mais reações.
A divulgação por Greg Maxwell de material que está em domínio
público mas que não estava livremente disponível é sinal recente
disso; uma reação às ações persecutórias desproporcionais
dirigidas contra Aaron Swartz. O que é notável, neste caso, não é
tanto que a reação de hackers tenha ocorrido — isto era até
previsível — , mas que tenha levado apenas dois dias para se
manifestar.
Contra esse pano de fundo, de planos para ampla censura na web, de
“resposta graduada” (em que provedores de acesso são forçados a
agir como polícia e juiz de copyright), de multas altíssimas por
compartilhamento de arquivos (mesmo na ausência de evidências de
ganho ou de prejuízo financeiro em consequência), e de ameaças de
extradição (mesmo quando o ato causador não é delito onde
praticado) prevemos mais reações de hackers frustrados com o
contínuo e crescente abuso de sistemas legais, econômicos e
políticos por parte de uns poucos grupos poderosos —
particularmente na esfera midiática — visando apenas seus próprios
interesses.
Segundo, quanto ao porquê dos que assim reagem serem na maioria
hackers, a razão é simples. Além de estarem bem posicionados para
entender as profundas implicações da transição de uma economia
fechada, baseada na escassez de recursos analógicos, para uma
aberta, baseada na abundância de recursos digitais, eles formam um
dos poucos grupos com habilidade e meios necessários para
canalizar esses recursos de forma a reagir contra esses abusos.
Tradutor: Pedro A D Rezende
Esta tradução recebeu autorização do autor original para publicação
sob a licença disponível em
http://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.5/br
Traduzido por Pedro A. D. Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília agosto de 2011 <
http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/sd.php
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