Um grupo internacional de cientistas, com participação brasileira, conseguiu a primeira evidência experimental de que núcleos atômicos compostos de antimatéria podem ser produzidos pela colisão de íons de ouro em alta energia.
A capacidade para formar em abundância essas partículas exóticas, segundo os autores, poderá ser fundamental para por a prova aspectos fundamentais da física nuclear, da astrofísica e da cosmologia.
Produção de antimatéria
O experimento, realizado pela Colaboração Star – que reúne 584 cientistas de 54 instituições em 12 países diferentes – foi produzido no Colisor Relativístico de Íons Pesados (RHIC, na sigla em inglês), localizado nos Estados Unidos.
Segundo Alejandro Szanto Toledo, físico da USP e coautor do estudo, o artigo descreveu a primeira observação da formação de um anti-hipernúcleo.
De acordo com Toledo, uma colisão de íons pesados em alta energia, como a que foi produzida no RHIC, gera uma grande quantidade de partículas. Em tese, quando a energia é suficiente para atingir uma transição de fase, são geradas também as antipartículas.
“Essas antipartículas são submetidas à coalescência – um processo análogo à condensação – e algumas delas podem agregar, por exemplo, dois antinêutrons e um antipróton, formando um antitrítio – isto é, um núcleo de antimatéria correspondente ao do átomo de trítio – o isótopo do hidrogênio que possui dois nêutrons e um próton”, disse Toledo.
Fora da Tabela Periódica
O experimento, segundo o professor, formou hádrons – partículas formadas por quarks, como os prótons e nêutrons – que possuem um chamado quark estranho, formando o chamado hipernúcleo. No modelo padrão da física de partículas, o quark estranho é aquele que possui o novo número quântico conhecido como “estranheza”.
“Esse hipernúcleo formado, que é um antiestranho, é feito de antimatéria. Essa é a primeira vez em que se conseguiu uma evidência experimental de um anti-hipernúcleo. Ou seja, obtivemos um núcleo que está fora do espaço biparamétrico da tabela periódica. Trata-se, portanto, de antimatéria”, explicou Toledo.
Segundo ele, já se havia obtido antiprótons e antielétrons – ou pósitrons. Mas é a primeira vez que se obtém um anti-hipernúcleo, que é algo bem mais complexo e mais raro. “Estamos felizes por termos um grupo [brasileiro] participando do trabalho, porque trata-se de fato de uma descoberta,” destacou.
Outro tipo de matéria
Toledo explicou que a reação foi produzida nos mais altos níveis de energia atingidos pelo RHIC. Essa região de alta densidade de energia foi formada pela colisão de dois núcleos de ouro a 200 gigaelétron-volts (GeV).
“Como se trata de um anel de colisão, a energia no centro de massa é de 400 GeV: uma quantidade de energia suficientemente grande para derreter a matéria nuclear e provocar uma transição de fase. Com isso, conseguimos passar da matéria hadrônica para a matéria conhecida como quark-glúon plasma”, explicou.
Esse novo estado da matéria nuclear originado da transição de fase, de acordo com Toledo, também foi observado pela primeira vez de forma conclusiva no HRIC. É esse estado que possibilitou a formação da coalescência, produzindo os anti-hipernúcleos.
“Para se ter uma ideia da eficiência do processo, basta dizer que, em 100 milhões de colisões, 70 foram observadas. Para reconhecer essas 70 colisões, foi preciso fazer um trabalho de identificação dessas partículas e de seus descendentes em um meio superpovoado com todas as partículas criadas pela colisão. Algo como encontrar uma agulha em um palheiro. O filtro necessário para detectar essas partículas teve que ser desenhado com extrema precisão”, disse.
Tabela Periódica de antimatéria
A partir desses resultados, segundo Toledo, um dos caminhos possíveis consiste em prosseguir com os experimentos até a construção de uma nova tabela periódica. A próxima meta planejada, de acordo com ele, é a criação de um anti-hélio: uma partícula alfa de antimatéria.
“Quanto mais complexo é o antinúcleo, menor a probabilidade de coalescência. O anti-trítio é composto de três partículas. Mas se quisermos um anti-hélio, vamos precisar de quatro partículas na mesma região do espaço: dois antiprótons e dois antinêutrons. Não será fácil, mas a Cooperação Star irá enveredar por essa direção”, afirmou.
Eixo da estranheza
Outro caminho para as investigações, segundo Toledo, consiste em colocar à prova as leis fundamentais da física de partículas. “Por exemplo, sabemos que a tabela periódica até recentemente possuía dois eixos: o número de prótons e o número de nêutrons. Se estendermos a tabela, podemos encontrar também o número de antiprótons e de antinêutrons no mesmo plano. Com isso, poderíamos criar um terceiro eixo na tabela, que nunca foi observado e é perpendicular aos outros dois: o eixo da estranheza.”
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Os coautores brasileiros do estudo sobre a antimatéria são, além Toledo, Alexandre Suaide e Marcelo Munhoz – professores do Departamento de Física Nuclear da USP -, Jun Takahashi, professor do Instituto de Física da Unicamp e seus orientandos de doutorado Rafael Derradi de Souza e Geraldo Vasconcelos.