O genoma humano e a revolução que não veio
29 de abril de 2010 | Autor:
antonini
O dia 26 de junho de 2000 certamente
ficará marcado por décadas na história da ciência, pois foi nesta
data que os cientistas revelaram a ordem correta das substâncias
bioquímicas que compõem o código genético humano.
Foram mais de 10 anos de pesquisas em centenas de laboratórios
espalhados por mais de 20 países do mundo, todos com o mesmo
objetivo: decifrar o “código da vida”.
Quando recém-nascido o ser humano tem cerca de 26 bilhões de
células, enquanto em um adulto esse número salta para cerca de 50
trilhões.
No centro de cada uma dessas células está o nosso genoma, termo que
se refere ao conteúdo total de material genético de um organismo
vivo, seja uma bactéria, um vírus, uma mosca ou um humano.
Para Salmo Raskin, o geneticista curitibano que
fez parte do HUGO (Human Genome Organisation), que coordenou os
estudos científicos internacionais, de uma forma didática, o genoma
humano pode ser comparado a uma grande enciclopédia de 23 volumes,
que representariam nossos 23 cromossomos que, por sua vez, trazem a
mensagem fundamental do enredo da vida, ou seja, os genes.
Ele explica, que mesmo os genes, apesar de tão minúsculos que não
podem ser visualizados com o mais potente microscópio imaginável,
não são unidades indivisíveis.
Eles são formados por vários pedaços chamados de exons, que se
combinam para dar forma aos aminoácidos, componentes básicos das
proteínas. “Dentro dos genes, separando os vários exons, existem
ainda os introns, que, até então, pareciam não ter significado”,
decifra o especialista.
Pouco se sabe
Assim, o primeiro passo para desvendar esses mistérios seria
descobrir em qual ordem a natureza posicionou essa sequência de três
bilhões de A, T, C e Gs. Dez anos depois, ainda é prematuro fazer
uma análise completa do que representa tudo o que foi revelado ao
mundo naquela data, até porque os próprios cientistas ainda
desconhecem o significado de boa parte das sequências que
descobriram.
Por outro lado, alguns aspectos ainda preocupam a comunidade
científica. Os geneticistas compreendem hoje que conceitos básicos,
como gene, regulação gênica, exons e introns, são muito mais
complexos do que se imaginava.
“Só o fato de muito recentemente termos descoberto que ao menos
metade do lixo genético é composto por sequências fundamentais na
regulação do genoma, já mostra o quanto pouco sabemos sobre a
genética humana, depois de anos após o anúncio do sequenciamento”,
diz Salmo Raskin.
Para o cientista, é frustrante saber que, em 2010, o conhecimento
científico de genética humana é infinitamente menor do que se podia
imaginar há uma década e que há pressões cada vez maiores para
explicar como esses achados se encaixam.
Apesar do enorme avanço na capacidade de diagnosticar uma das 10 mil
doenças genéticas raras, ou se uma pessoa tem predisposição a ter
filhos com alguma delas, no que se refere às doenças mais comuns, o
impacto foi até o momento muito menor.
“Não sabemos quais e quantos genes fazem parte do componente
genético de doenças como hipertensão, diabetes, obesidade, câncer,
depressão, esquizofrenia, entre outras”, resume o geneticista.
No que se refere a transformar os conhecimentos adquiridos em
tratamentos, poucas drogas foram desenvolvidas nos últimos 10 anos
baseadas nas descobertas do genoma humano.
Lições aprendidas
* O genoma humano teria maior potencial de produção de formas
alternativas de proteínas, e a hierarquia das espécies estaria ao
nível proteico e não genômico.
* O sequenciamento e as pesquisas que se sucederam demonstram que
uma parte dos 98% do código genético que não produzem proteínas, são
resquícios do passado evolutivo do ser humano, sequências que foram
um dia ativas, produzindo proteínas há milhares ou milhões de anos e
que a evolução fez com que se tornassem inativas.
* Agora que o genoma completo de mais de 20 seres humanos foi
sequenciado, sabemos que existe uma variabilidade dez vezes maior do
que a inicialmente imaginada entre as bases nitrogenadas de dois
seres humanos.
* Genomas completos de mais de 3.800 outras espécies já foram
sequenciados e analisados, inclusive de mamíferos muito próximos ao
ser humano, como o camundongo, o rato e o chimpanzé. Desde então, é
possível, com grande precisão, comparar os genomas de espécies
diferentes, tentando compreender o que diferencia e o que assemelha
o ser humano de outras espécies.
* Aprendemos a desenvolver tecnologias que sequenciam o genoma de
forma mais rápida, com mais qualidade e menor custo.
Para onde vamos?
Mesmo enfrentando barreiras éticas, legais, morais, filosóficas,
culturais e religiosas, o conhecimento a ser adquirido do genoma
poderá ainda trazer boa parte das respostas para os enigmas do ser
humano, entre eles: “de onde viemos?”, “quem somos?” e “para onde
iremos?”. Essas perguntas poderão ser, parcialmente, respondidas,
quando compreendermos a real mensagem que o genoma pode nos revelar.
De acordo com Salmo Raskin, a descoberta de um número bem menor de
genes do que imaginávamos, por exemplo, traz da natureza mais uma
lição a ser aprendida pelos seres humanos: “a de que não existe um
determinismo genético para tudo, ou seja, nem tudo está escrito em
nossos genes.” Traz também uma lição de respeito aos outros seres
vivos e ao meio ambiente.
Com efeito, os cientistas devem continuar a ser movidos pelo
instinto e ter garantida a liberdade de seguir em suas pesquisas sem
se preocupar onde chegarão. “Dependerá da sociedade organizada
determinar para os caminhos que os pesquisadores devem caminhar”,
avalia.
O especialista explica que os cientistas precisarão aprender a
trabalhar em equipes interdisciplinares, que possam produzir
conhecimento não só em pesquisa, mas em questões, como propriedade
intelectual, consentimento informado, legislações que protejam a
população de discriminação genética, preservando suas privacidades.
Também será preciso treinar os novos médicos, educadores, gestores
públicos e a população em geral para que possam compreender a
medicina genômica.
Por fim, será preciso formar muito mais profissionais treinados em
aconselhamento genético, um processo de comunicação sobre problemas
humanos associados com a ocorrência ou risco de recorrência de uma
doença genética na família, por meio do qual os pacientes e/ou
parentes que possuam ou estão em risco de possuir uma doença
hereditária são informados sobre as características da condição, a
probabilidade ou risco de desenvolvê-la ou transmiti-la, e as opções
pelas quais pode ser prevenida ou melhorada.
Esforço inútil
No Brasil, o quadro ainda é preocupante, já que o país tem um médico
geneticista para cada milhão de habitantes, 80% deles concentrados
nas regiões Sul e Sudeste.
É preciso que políticos e gestores de saúde compreendam que se o
aconselhamento genético não estiver disponível para a maioria da
população, todo o esforço em desvendar o genoma humano será quase
inútil. Será preciso possibilitar aos pacientes do Sistema Único de
saúde (SUS) acesso aos serviços básicos de genética, além de
promover uma mudança urgente e radical na forma como a saúde é
planejada e (des)valorizada em nosso país. “Isso se realmente
queremos um dia poder usufruir da revolução genética na medicina”,
completa Salmo Raskin.
Transcrito do sítio ParanáOnline