Esponja poderá ser arma contra o câncer
20 de setembro de 2010 | Autor: antonini
A diversidade de compostos químicos presente nas esponjas coloca
esses animais marinhos entre as mais promissoras fontes para a
obtenção de produtos naturais bioativos visando à produção de novas
drogas, de acordo com Raymond Andersen, professor do Departamento de
Química e Ciências da Terra e do Oceano da Universidade da Colúmbia
Britânica, no Canadá.
Andersen, cujo laboratório se dedica à prospecção, isolamento,
análise estrutural e síntese de compostos extraídos de organismos
marinhos, participou, nesta quinta-feira (9/9), do Workshop sobre
biodiversidade marinha: avanços recentes em bioprospecção,
biogeografia e filogeografia, realizado pelo programa Biota-FAPESP.
O cientista apresentou, durante o evento na sede da FAPESP,
trabalhos realizados por seu grupo sobre compostos isolados a partir
de esponjas coletadas em Papua-Nova Guiné e na costa canadense. Os
compostos têm ação antimitótica – ou seja, são capazes de deter o
processo de divisão celular, o que permitiria sua utilização no
desenvolvimento de drogas contra o câncer, por exemplo.
Segundo Andersen, as esponjas marinhas são especialmente
interessantes para a prospecção de compostos bioativos, pois
raramente se encontra uma diversidade química tão notável em um só
organismo.
“Um dos fatores que explicam essa espantosa diversidade química é
que as esponjas não têm defesas físicas, mas têm cores vivas, ficam
expostas e não se movem, não podendo fugir de predadores. Por isso,
elas têm necessidade de defesas químicas. Acreditamos que, por serem
animais muito primitivos, elas sejam capazes de tolerar e produzir
compostos químicos especialmente exóticos”, disse à Agência FAPESP.
A necessidade de defesa ligada à evolução, no entanto, não é a única
explicação para a variedade de compostos químicos presentes nas
esponjas, segundo o pesquisador. Boa parte dessa diversidade pode
ser fruto da simbiose – outra característica marcante das esponjas.
“Cada vez mais começamos a acreditar que muitos desses compostos
encontrados em esponjas são provenientes de relações simbióticas com
microrganismos dos quais elas se alimentam”, disse.
Fotos microscópicas dos tecidos das esponjas mostram a presença – no
interior dos próprios tecidos, ou em suas adjacências – de uma
quantidade imensa de microrganismos. “Achamos que a alta tolerância
das esponjas às relações simbióticas, desenvolvida ao longo da
evolução, possa ser uma das explicações para que esses organismos
sejam uma fonte tão rica de novos compostos químicos”, disse.
Segundo Andersen, em comparação com outros organismos marinhos,
apenas os corais moles – da ordem Alcyonacea, que não possuem
esqueleto de carbonato de cálcio – aproximam-se das esponjas com
relação à riqueza de compostos químicos e metabólitos secundários.
“Mesmo assim, a química dos corais moles não tem tanta diversidade.
O mais notável, no caso das esponjas, é que as classes de compostos
são todas provenientes de biossintéticos diferentes. Mais uma vez,
acreditamos que essa característica possa ser reflexo do fato de que
boa parte desses compostos é feita por meio de simbiose, contando
com a imensa diversidade de micróbios que vivem dentro das esponjas
e são responsáveis pela incrível diversidade química que encontramos
nelas”, explicou.
Dependendo do local onde uma mesma espécie de esponja é coletada,
pode-se encontar compostos químicos muito diferentes. Para Andersen,
isso é mais uma evidência de que a diversidade química é proveniente
da simbiose.
“Provavelmente, as esponjas que vivem em diferentes locais têm
simbiose com microrganismos diferentes. De certo modo, trata-se de
uma maravilhosa amplificação da biodiversidade. Se a química
estivesse ligada apenas às células da esponja, provavelmente a mesma
esponja em todos os lugares teria a mesma composição. Mas, como a
química está relacionada à simbiose, a mesma espécie de esponja pode
ter composições químicas distintas em diferentes partes do mundo,
multiplicando as possibilidades de prospecção de produtos
bioativos”, afirmou.
O procedimento de prospecção consiste em coletar o maior número
possível de esponjas e analisar, em uma fase posterior, o potencial
bioativo dos compostos químicos presentes nelas.
“Em geral, já sabemos que as esponjas são uma rica fonte de
compostos químicos. Então, não orientamos a busca para compostos
específicos. Coletamos muitas esponjas de modo que possamos montar
uma grande biblioteca de extratos, com grande diversidade química.
Aí, usando ensaios biológicos, procuramos por compostos que tenham
tipos específicos de atividade biológica, como a atividade
antimitótica, ou a ação em um receptor específico”, explicou.
Gargalo da produção
Depois de coletar esponjas e obter uma grande diversidade biológica,
os cientistas sabem que têm à disposição uma grande diversidade
química de compostos. “Usamos então testes químicos para descobrir,
na nossa imensa coleção de compostos, aqueles dois ou três que
realmente queremos e que possuem as atividades biológicas que
precisamos”, disse Andersen.
O segredo para uma boa bioprospecção, segundo ele, é possuir uma
biblioteca química muito rica e, ao mesmo tempo, ter à disposição
ensaios de atividade biológica que sejam muito eficientes e
seletivos para os diversos tipos de compostos.
“As moléculas que procuramos devem cumprir os seguintes critérios:
ter interesse teórico devido à novidade de sua biogênese – como
moléculas que possuem novos esqueletos de carbono –, devem mostrar
atividade biológica in vitro, o que faz delas potenciais alvos para
o desenvolvimento de agentes farmacêuticos e, por último, devem
mostrar atividades biológicas que lhes permitam ter um papel central
na biologia do organismo que as produz”, explicou.
Uma vez encontrada a molécula, segundo o professor da Universidade
da Colúmbia Britânica, surge o principal gargalo para a produção de
novos fármacos: a produção em escala.
“Quando se trata de esponjas, não podemos ir à natureza coletá-las e
usá-las como fonte para o desenvolvimento de drogas. Nenhuma
indústria farmacêutica investiria em um composto que fosse
desenvolvido exclusivamente a partir de um recurso natural desse
tipo. É preciso ter uma fonte renovável. Por isso, depois de
encontrar um composto que pareça realmente promissor, é preciso
sintetizar a molécula e produzi-la em escala. Esse é um ponto
crítico do processo, antes de partir para testes clínicos”, afirmou.
Agência Fapesp Sábado, 18 de setembro de 2010 – 10h21