A decoreba já vai tarde: o vestibular pode acabar
25 de abril de 2009 | Autor: antonini
O vestibular tradicional está acabando. Mas isso é
bom ou ruim?
Em 1911, boa memória era sinônimo de inteligência. Até dá para entender.
Naquela época, quando o governo brasileiro tornou o vestibular
obrigatório para universidades públicas e particulares, conhecimento era
coisa para poucos. Ter um baú de informações na cabeça já permitia a
qualquer um ser pelo menos um bom profissional. Então não era surpresa
que os vestibulares se preocupassem em testar basicamente a capacidade
de memorização.
Um século e muita decoreba depois ela continua sendo uma habilidade
louvável, mas não é nem nunca foi a mais importante – só a mais fácil de
testar numa prova. Coisas fundamentais, como o raciocínio e a
criatividade, ainda são menos levadas em consideração do que deveriam na
hora de selecionar quem entra na universidade. Não é de espantar, então,
que muita gente deseje a morte dos testes tradicionais. E não é desculpa
de estudante burro: o próprio Albert Einstein dizia que a obrigação de
decorar fórmulas foi a maior, e mais inútil, tortura pela qual passou na
vida. Por isso mesmo todo mundo interessado no assunto vibrou quando o
Ministério da Educação anunciou uma nova versão do Exame Nacional do
Ensino Médio para substituir e unificar as provas das universidades
federais. A exemplo do Enem antigo, ela promete exigir muito mais
análise e raciocínio lógico do que informação bruta a ser decorada. Está
aí a solução para o tormento?
Vamos ver. O MEC admitiu que inspirou-se no americano SAT (sigla em
inglês para Teste de Medição Escolar), que é aplicado 7 vezes por ano
(por enquanto aqui é só uma, mas a ideia é alcançar 7 também). Em duas
versões: uma de raciocínio, que avalia matemática, leitura crítica e
redação, e outra que testa o aprendizado de matérias específicas –
física, história etc. Ambas reconhecidas pela qualidade das questões,
que obrigam o aluno a de fato raciocinar. Mas a grama do vizinho não é
tão verde assim. Apesar de bem formulado, o SAT é o terror mais profundo
dos estudantes. Igualzinho ao que ocorre aqui, existe por lá toda uma
indústria de cursinhos especializados em dicas e macetes para que os
alunos se saiam bem nas provas. E há quem garanta que são necessários
anos para esquecer o trauma do exame.
Os chineses que o digam. Por lá, a pressão para se sair bem em uma prova
semelhante, que também é unificada e ocorre uma vez por ano, é tão forte
que o vestibular está entre as causas das altas taxas de suicídio no
país, de até 3,5 milhões de pessoas por ano.
Na Dinamarca, a prova simplesmente não existe: o que conta são as notas
obtidas durante todo o ensino médio. Se o curso pretendido é engenharia,
os examinadores levam mais em conta as notas do candidato nas aulas de
matemática. Se a ideia é cursar letras, não tem muita importância ter
passado raspando em química por 3 anos. Um sistema correto, mas também
desesperador: quem é bom, mas repetiu o 1º colegial por alguma bobeira
de adolescência, pode se complicar na hora da seleção. Como não dá para
voltar no tempo e mudar as notas, o jeito é mudar de país.
Quem sabe para a Argentina, a Bélgica ou a França. Nesses, o acesso é
garantido sem vestibular nem currículo: basta ter um diploma de nível
médio, pelo menos para entrar nas faculdades menos concorridas (é o que
acontece na prática por aqui também, já que os “processos seletivos” de
algumas das nossas particulares permitiriam a matrícula de um babuíno).
Mas o acesso automático não garante nada em alguns casos: na Argentina,
ao fim do primeiro ano de curso, há uma prova para decidir quem segue na
faculdade ou não.
Entre as universidades mais disputadas do mundo, o método é mais
complexo. É o caso das que fazem parte da Ivy League, o grupo das 8
americanas de elite (entre as quais Yale, Harvard, Colúmbia e MIT). Elas
até levam em conta as notas do SAT, mas também avaliam currículos,
exigem cartas de recomendação, fazem entrevistas pessoais… até a
personalidade do candidato entra em jogo. Tudo conta: participação em
grêmio estudantil, viagem de mochilão, trabalhos comunitários…
Na Universidade de Colúmbia, por exemplo, o que os examinadores olham
mesmo são os trabalhos que o candidato desenvolveu na escola nos 4 anos
anteriores. Para conquistar uma vaga no MIT, entre outras coisas o
aspirante precisa fazer uma lista das 5 atividades mais importantes que
considera já ter feito na vida. E pode ainda optar por falar sobre isso
ao vivo, em uma entrevista com um examinador da universidade, o que pode
aumentar significativamente as chances de admissão.Tudo isso, por sinal,
não existe só para o bem do aluno. Mas para o da própria instituição. Um
diploma de Harvard foi importante para a carreira de Barack Obama. Mas
ter formado um Barack Obama que virou presidente é ainda mais valioso
para Harvard, pois aumenta o prestígio que a universidade já tem. Daí a
importância de uma seleção realmente precisa.
Mas claro que, por melhor que seja, o novo Enem não vai transformar
nossas federais em Harvards. Será apenas mais justo que os
vestibulares-decoreba de sempre. Mas, se você acha que isso vai deixar
as coisas mais fáceis, pode tirar o gabarito da chuva. Neste ano, cerca
de 5 milhões de estudantes vão concluir o ensino médio no Brasil, mas há
menos de 300 mil vagas nas faculdades públicas, as mais concorridas. Nos
5 cursos mais disputados das 5 universidades top de linha, são só 1 300
vagas. Um baita funil, que vai continuar duro de atravessar. Além disso,
não importa o quanto o vestibular, ou mesmo a educação como um todo,
melhore: sempre vai haver um punhado de instituições preferidas por
alunos, professores e pelo mercado de trabalho. O caso dos EUA é
emblemático: entre as mais de 4 mil universidades de lá, só aquelas 8
são objetos de desejo para valer. E, se é numa das favoritas que alguém
quer entrar, não tem jeito: vai ter que ralar para mostrar mérito. Ainda
bem.