Farmacologia Molecular

1. Conceitos:

1.1. Farmacologia: é o ramo da ciência que estuda as ações e mecanismos de ação dos fármacos.
1.2. Fármacos: é a substância de estrutura química bem definida utilizada para fins terapêuticos.
1.3. Isósteros: isósteros são constituintes ou grupamentos que apresentam o mesmo tamanho ou volume.
1.4. Biósteros: são constituintes ou grupamentos que necessariamente não apresentam o mesmo tamanho ou volume, mas apresentam similaridade nas propriedades químicas e físicas e produzem propriedades biológicas similares.
1.5. Farmacóforo: é o arranjo espacial dos grupos funcionais de uma molécula que interagem com o receptor. Ele considera as posições relativas desses grupamentos, áreas de espaço permitidas (volumes de exclusão e efeito estérico).
1.6. Farmacologia molecular: é o ramo da farmacologia que estuda ação farmacológica de fármacos ao nível molecular na tentativa de definir o sítio de ação do fármaco, o receptor, ou possivelmente a enzima específica com a qual ele interfere.

2. Farmacologia molecular
O objetivo da farmacologia molecular é elucidar a sequência de eventos químicos e biológicos resultantes da interação fármaco-receptor. Estes estudos bioquímicos são muito menos suscetíveis ao problema de variabilidade encontrada na experimentação com modelos animais e portanto, a relação estrutura-atividade pode ser determinada de maneira mais consistente.

A farmacologia molecular considera as moléculas como unidades funcionais fundamentais. Ela procura explicar os efeitos farmacológicos de compostos biologicamente ativos ao nível molecular, isto é, baseando-se nas interações moleculares e em termos de estruturas moleculares e propriedades físico-químicas. Visa, enfim, a determinar e interpretar a relação que existe entre estrutura química e atividade biológica.Compreendendo-se que tipo de interação ocorre entre o composto químico e as moléculas das células do organismo, é possível explicar o seu mecanismo de ação ao nível molecular.

3. Relação estrutura e atividade
Considerando o modo como exerce sua ação biológica, os fármacos podem ser divididos em duas grandes classes: fármacos estruturalmente inespecíficos e estruturalmente específicos.

Fármacos e estruturalmente inespecíficos: são aqueles em que a ação biológica não está subordinada diretamente a estrutura química, mas apenas na medida em que esta afeta as propriedades físico-químicas,, sendo essas os responsáveis pelo efeito farmacológico que eles produzem. Características principais:
a) atuam em doses relativamente elevadas.
b) apresentam estruturas químicas muito variadas mais provocam reação biológica semelhante.
c) pequenas variações na sua estrutura química não resultam em alterações acentuadas nação biológica.

Exemplo: fenol, etanol, antiácidos, manitol, etc.

Fármacos estruturalmente específicos: são aqueles cuja ação biológica decorre essencialmente de sua estrutura química, quando deve adaptar-se a estrutura química tridimensional dos receptores existentes no organismo, formando um complexo com eles. Nestes fármacos, o tamanho, disposição estereoquímica da molécula, distribuição dos grupos funcionais, refeitos indutivos, distribuição eletrônica, indicações possíveis com grupos funcionais do receptor, entre outros, desempenham papel decisivo. Características principais:

a) são eficientes e concentrações menores que os fármacos estruturalmente inespecíficos.
b) apresentam certas características estruturais em comum.
c) pequenas variações nas estrutura química podem resultar em alterações substanciais na atividade farmacológica.

Tanto a finalidade do fármaco quanto sua atividade intrínseca são determinadas pela sua estrutura química. Pequenas modificações na sua estrutura podem provocar grandes alterações nas suas propriedades farmacológicas.A exploração desta relação estrutura/atividade tem levado ao desenvolvimento de fármacos importantes na terapêutica e muitas vezes com indicação diversa daquela utilizada pelo fármaco protótipo.Necessariamente nem toda modificação da estrutura molecular do composto necessita alterar toda sua ação e feito de maneira homogênea. Ela visa basicamente desenvolver um congênere que apresente uma relação de efeito terapêutico X tóxico mais favorável; aumentar a seletividade entre as diferentes células do tecidos, ou alterar as características farmacocinéticas. Por exemplo, alguns antagonistas de hormônios e neurotransmissores foram desenvolvidos por modificação da estrutura química dos agonistas fisiológicos.

Tendo-se em mãos as informações de estrutura molecular e atividades farmacológicas de um grande número de congêneres, é possível identificar aquelas propriedades que são requeridas para a atividade ótima no receptor: tamanho e forma da molécula, posição e orientação dos grupos com carga ou capazes de fazer ponte de hidrogênio, etc.

A correlação acurada e quantitativa entre a atividade farmacológica de diversos fármacos com suas estruturas moleculares (forma, localização e orientação dos grupos quimicamente interativos na sua superfície) é possível desenvolver um modelo preciso da estrutura do sítio de ligação no receptor. Estes modelos detalhados permitem racionalizar a síntese de novo de novos compostos ou criar congêneres com maior eficácia, seletividade, afinidade ou efeitos regulatórios, ou mesmo melhorar suas propriedades fármacocinéticas.

Atualmente, o uso de cristalografia de raios X e espectroscopia por ressonância nuclear magnética (NMR) são fundamentais para o desenvolvimento racional de novos fármacos, permitindo a determinação da estrutura tridimensional de receptores, fármacos e complexos fármaco-receptor.

Em casos onde a estrutura do receptor é totalmente desconhecida, é sempre possível determinar a conformação do fármaco ligado (e se possível de outros congêneres) e a partir daí gerar uma provável imagem do sítio de ligação do receptor.

4. Receptores

4.1. Isolamento de receptores
O problema principal do isolamento de um determinado receptor de sua membrana é a capacidade de se identificar e separar uma proteína específica de todas as demais proteínas presentes. As técnicas cromatográficas tem contribuído de maneira fundamental para o sucesso destes estudos.

A primeira etapa é a remoção de uma mistura complexa de proteínas de uma membrana com o menor dano possível. Isto é relativamente fácil quando a proteína é apenas fracamente ligada (proteínas periféricas de membrana) e normalmente basta remoção de cátions como Ca2+ e Mg2+ do meio através de lavagem ou quelação. Nestes casos, a proteína é usualmente liberada na solução praticamente livre de fragmentos de lipídios.

Entretanto, com proteínas integrais o mesmo não ocorre. Estas estendem-se através da membrana e tem três regiões distintas: uma extracelular que se projeta no meio externo que envolve a membrana; uma transmembrana que passa através da membrana; e uma intracelular que se projeta para o interior da célula. Por serem componentes integrais da membrana celular, sua estrutura terciária e conformação adotada pode ser dirigida pela sua presença na membrana. O isolamento de tais proteínas pode afetar severamente sua conformação e portanto, sua habilidade de ligação a um ligante. Condições mais severas são necessárias para liberar estas proteínas e o uso de detergentes (Triton X-100, Lubrol, sarkosil), uréia, tiocianato de sódio e álcoois de cadeia médias são extensivamente utilizados para romper a membrana e liberar a proteína em questão.

4.2. purificação de receptores
O isolamento da proteína alvo da mistura complexa obtida, necessita do uso de técnicas de separação cromatográfica sofisticadas. Destas, a mais comum é a cromatografia de afinidade. A cromatografia de afinidade parte do princípio que o receptor liga-se fortemente ao seu ligante de tal forma que sua interação pode ser usada para selecionar a proteína de interesse. Assim, se o ligante for covalentemente fixado a um suporte sólido de madeira de modo que sua capacidade de ligação à proteína de interesse não seja muito afetada, quando uma solução de vários peptídeos passa através da coluna, o receptor d interesse ficará preferencialmente retido. Após a lavagem das outras proteínas, o receptor pode ser liberado, passando através da coluna uma solução concentrada do ligante. A proteína aqui obtida é então submetida a outras técnicas de purificação para eliminar proteínas contaminantes.

Técnicas mais recentes incluem cromatografia líquida de alta performance (HPLC); particularmente HPLC de exclusão, de troca iônica e de fase reversa, têm contribido de maneira significativa para o isolamento de de proteínas receptoras. Outra técnicas podem se basear em cromatografia de imunoafinidade ou técnicas de imunopreciptação onde são utilizados anticorpos mono ou policlonais que fornecem alta seletividade de interaçāo necessária para separação de proteínas de interesse. Estas metodologias contudo, são /um tanto complicadas e requerem habilidadetécnica para eviart o aparecimento de artefatos e resultados duvidosos.A prova primária que o receptor apropriado foi obtido é fornecido pela alta afinidade pelo seu ligante.4.3 Uso da biologia molecular

As dificuldades técnicas no isolamento de receptores se deve principalmente à sua quantidade limitada presente em qualquer membrana, bem como as dificuldades práticas inerentes à determinação de sua membrana protéica. O uso de técnicas de biologia molecular fornece um método alternativo para superar estas limitações, como a obtenção de grandes quantidades de proteína, predição da sequência primária de aminoácidos, expressão de receptores em culturas de células, etc.

5. Planejamento de um novo fármaco
Os elementos básicos do desenvolvimento de um novo fármaco continua o mesmo por muitos anos. existe a necessidade de uma hipótese sobre a provável causa de um estado patológico, de um composto guia e de um processo otimizado para produzir a molécula com o melhor perfil de atividade.O processo inicia-se a partir da identificação de um composto guia que possua alguns elementos do perfil terapêutico desejado e seu mecanismo de ação hipotético. Uma busca em bancos de dados de estruturas, preferencialmente tridimensionais, pode revelar novas moléculas similares àquela da estrutura guia. Os estudos de interação com o receptor alvo podem fornecer um modelo a ser utilizado para pesquisar um grande número de moléculas e identificar o possível grupamento farmacóforo. Programas de “computer-aided drug designer (CADD) são utilizados para desenhar estruturas inteiramente novas baseadas quer na estrutura base ou no sítio de ligação no receptor.

5.1 Fontes de estruturas guias
As principais fontes de compostos base (ou guia) para a pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos são: observação de feitos adversos clínicos ou farmacológicos, pesquisa aleatória, produtos naturais e o desenho racional de novo.

a) Efeitos adversos de fármacos
Muitas vezes os efeitos adversos inesperados de muitos fármacos podem ser a base para o desenvolvimento de compostos ou novas indicações terapêuticas. Por exemplo, a isoniazida, cujo derivado isopropil, a iproniazida, apresentou efeitos centrais pronunciados, em particular a habilidade de suavizar o humor dos pacientes tuberculosos com severa depressão. Isso levou ao uso da iproniazida coo antidepressivo e à síntese de outros análogos estruturais.

b) Pesquisa aleatória
A pesquisa de um grande número de compostos diversos in vivo consome tempo, material e animais e tem sido criticada pela comunidade científica. Entretanto, os testes in vitro utilizam muito menos material, são rápidos e tem sido parte integrante da pesquisa se novos fármacos nos diferentes programas de pesquisa.

À medida que os receptores e enzimas que desempenham papel chave em patologias são progressivamente identificados, eles se tornam os novos alvos para o desenvolvimento de fármacos.Os métodos variam desde as técnicas bioquímicas da inibição enzimática, cultivo de tecidos e micro-organismos, síntese de peptídeos e técnicas de biologia molecular.

c) Produtos naturais
O uso de produtos naturais data de séculos e ainda hoje continua sendo uma importante fonte de compostos para uso terapêutico. Os produtos naturais incluem compostos isolados e plantas, micro-organismos, organismos marinhos.

d) Fármacos pré-existentes
Os fármacos atualmente utilizados na terapêutica são passíveis de modificações para o desenvolvimento de novos compostos, em geral buscando reduzir possíveis efeitos adversos, resistência, aumentar sua eficácia, tolerabilidade, etc.

e) Patologia como modelo de pesquisa
A compreensão do desenvolvimento de determinadas patologias e a obtenção de modelos animais suscetíveis têm permitido a descoberta de diversos compostos com potencial terapêutico. De novo, a biologia molecular também tem contribuído nesta área, fornecendo animais geneticamente modificados para servirem como modelo de pesquisa.

f) Mecanismos fisiológicos

A melhor compreensão dos mecanismos fisiológicos e de seus agonistas endógenos tem permitido a utilização de um enfoque mais racional e seletivo no desenvolvimento de novos fármacos.

5.2 Macromoléculas como alvo para o desenvolvimento de fármacos
A ênfase para o “desenho racional de fármacos muito utilizado atualmente não significa que os outros métodos citados acima sejam irracionais e infrutíferos. Embora seja verdade que muitas grandes descobertas tenham sido quase acidentais, a grande maioria dos fármacos são originados dos melhores procedimentos científicos do período em que foram desenvolvidos. Da mesma forma que, na atualidade, o desenvolvimento de novos fármacos baseia-se em estudos de simulações em computador à medida que mais e mais novos receptores têm suas estruturas resolvidas.Muitos compostos interagem com proteínas, quer via enzimas, quer via receptores proteicos; os ácidos nucleicos e carboidratos são alvos secundários, pelo menos em número. O isolamento e caracterização de proteínas, como mencionado anteriormente, teve maior impulso com as técnicas de biologia molecular, pois permitiram a obtenção de grandes quantidades de material originalmente escasso na célula. Embora seja relativamente fácil atualmente, clonar um gene específico e a partir deste predizer a sequência polipeptídica primária, a predição das estruturas secundária e terciária e porque não, quaternária, ainda permanece como um problema insolúvel. O pouco que se consegue atualmente é a modelagem a partir de proteínas homólogas com estruturas já determinadas. A determinação da estrutura tridimensional mais precisa é obtida através das técnicas de cristalografia de raios X e NMR. Devido às dificuldades de cristalização das mais diferentes proteínas e limitações das técnicas de NMR, o número de estruturas resolvidas é muito inferior ao número de sequências primárias depositadas nos bancos de dados.

5.3 Modelagem das interações fármaco-receptor

As técnicas de química computacional (modelagem) são de extremo valor. Entretanto, nas interações fármaco-receptor, deve ser levado em conta os efeitos de solvente e forças interativas adicionais. Isto faz com que a complexidade dos cálculos aumente em uma ordem de magnitude.
Um cálculo complexo dos processos de ligação produziria a energia libre de ligação, reduzida a termos de entalpia e entropia, e levaria em conta a interação de atração e repulsão que dependem da forma e potencial eletrostático da superfície das moléculas. As forças consideradas incluem: interações íon-íon, íon-dipolo, pontes de hidrogênio, polarização, transferência de carga, interações de van der Waals, perda de entropia rotacional e trnaslacional, e interações hidrofóbicas. A importância relativa de cada força depende da natureza das espécies envolvidas.Outra técnica leva em conta o método de perturbação da energia livre (FEP) e pode ser usado para calcular alguns valores precisos para diferenças nas energias de ligação de compostos similares no mesmo receptor.

5.4 Otimização de estruturas guia ou protótipos

Diversos fatores devem ser levados em conta para a otimização da atividade de um fármaco em potencial, desde aspectos físico-químicos, até aspectos quânticos. Mudanças na estrutura causam alterações em um número de propriedades físicas e físico-químicas de uma única vez, tornando difícil identificar qual destas propriedades é a mais provável de controlar a atividade do composto. Abaixo estão listados alguns processos de análise.

a) Relações de energia libre linear: coeficiente de partição, efeitos eletrônicos, efeitos estéricos.
b) Análise de Hansch.
c) Análise de Topliss.
d) Método de substituição em lote.
e) Método de Free-Wilson.
f) Métodos estatísticos: técnica de reconhecimento padrão, métodos de correlação.

6. Referências bibliográficas
BRUNTON, L. L. et all. Goodman & Gilman: As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 11ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

KING, F.D. Medical chemistry: principles and pratice. Cambridge: The Royal Society of chemistry, 199. 313p.

TAYLOR, J. B.; KENNEWELL, P. º. Modern medicinal chemistry. New York : Ellis Horwood, 1993. 290p.

Transcrição Ipsis litere do texto do Prof. Dr. Hidevaldo Machado, do Depto. de Farmacologia do Setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná


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