
Neste tópico serão demonstradas malformações sem vínculo com o intersexo.
Considerando que o desenvolvimento dos órgãos genitais somente se completa na adolescência, algumas malformações são congênitas e outras decorrem de perturbações do desenvolvimento ocorridas naquele período.
Dentro de critério topográfico, as
malformações podem ser encontradas nos órgãos genitais externos
e nos órgãos genitais internos.
Ao final deste tópico, abordaremos a criptomenorréia, distúrbio
de considerável importância clínica, o qual decorre de
obstruções situadas em diversos níveis do canal vaginal.
1. Propedêutica
As malformações mais facilmente percebidas são as localizadas nos órgãos genitais externos. As crianças são trazidas à consulta por familiares, com a queixa de que algo de anormal foi observado. As malformações localizadas nos órgãos genitais internos somente são descobertas, em alguns casos, a partir da adolescência.Após serem colhidos os dados da anamnese, o exame físico geral e o exame ginecológico devem ser realizados. A vaginoscopia será feita, se possível.Os exames complementares mais utilizados para a elucidação diagnóstica são os seguintes:
1.1. Vaginograma: nos casos de agenesia parcial da vagina e do septo vaginal transverso.
Vaginograma
1.2. Ecografia da pelve: para visualização dos órgãos
genitais internos.
1.3. Laparoscopia e/ou pneumopelvigrafia: para visualização
dos órgãos genitais internos (útero e ovário) quando a
ecografia não for conclusiva.
1.4. Urografia excretora: com a finalidade de procurar
anomalias do aparelho urinário.
1.5. Determinação do sexo genético (pesquisa da cromatina
sexual e cariótipo): indicados nos casos suspeitos de
estados intersexuais.

I – Órgãos genitais externos



2.1 – O clitóris situa-se, normalmente, entre as extremidades superiores das ninfas. Em casos de agenesia do clitóris, aquelas extremidades se mantêm separadas e falta o órgão erógeno do trato genital.

2.2 – A hipertrofia do clitóris pode consistir fenômeno isolado, não refletindo estado intersexual. Tratando-se de anomalia congênita, convém averiguar se a mãe da paciente ingeriu drogas de ação virilizante, durante a gestação. Outra causa a ser lembrada é hiperplasia congênita das adrenais. Se, pela hipertrofia, o clitóris chega a apresentar características de pênis rudimentar, cabe a ressecção cirúrgica parcial.
Hipertrofia do clítoris
Hipertrofia do clítoris em adolescente
3.1 – Epispádia é a abertura da uretra acima do nível normal.
Este defeito pode estar associado à bifurcação do clitóris e a
formação incompleta da porção distal da uretra. Pode
acompanhar-se, ainda, de incontinência uretral. O tratamento
cirúrgico desta malformação, por vezes complexo, é do domínio
da urologia.
3.2 – Hipospádia é a abertura da uretra abaixo do nível normal. Esta anomalia é muito relacionada com o intersexo. Freqüentemente se acompanha de hipertrofia do clitóris e persistência do seio urogenital. Seu tratamento é cirúrgico e a técnica a ser empregada depende das condições locais.
4.1 – Os pólipos himenais, também denominados apêndices himenais, são pequenas formações mucosas, apensas ao hímen. Parecem maiores, proporcionalmente, nas recém-natas, devido ao edema generalizado dos órgãos genitais externos. Passado algum tempo e avaliadas suas verdadeiras proporções, estes apêndices, geralmente, revelam-se destituídos de importância clínica, dispensando tratamento.
Pólipos himenais
4.2 – A imperfuração himenal é anomalia importante pelas graves conseqüências que pode acarretar. Antes da menarca, retém a secreção mucosa e causa mucocolpos. Após a menarca, retém o sangue menstrual, causando a criptomenorréia, que será apre ciada no final deste tópico.
Himem imperfurado em adolescente


5 – Pode faltar a abertura do ânus na posição correta (anus
imperfurado), encontrando-se a abertura no vestíbulo vaginal ou
no terço distal da parede posterior da vagina (fig. 9). Tais
deformações devem ser corrigidas por cirurgia a ser praticada
com o auxílio do proctologista. Uma das técnicas usadas é a
transposição do anus para sua posição tópica e o fechamento, por
planos, da parede vaginal posterior.
Anus-vaginal, causado ou por agenesia do ânus, ou por fístula
ano-vaginal
II – Órgãos genitais internos
1.1.1 e 1.1.2 – a vagina pode apresentar septo transversal
situado em qualquer altura de sua extensão. Este septo pode ser
perfurado ou imperfurado. Na primeira hipótese, a anomalia Será
descoberta em duas eventualidades: quando a paciente for
submetida a vaginoscopia ou quando iniciar vida sexual e sentir
obstáculo à penetração vaginal. Também na segunda hipótese, o
diagnóstico será feito em duas circunstâncias: através da
vaginoscopia ou quando se verificar retenção do sangue menstrual
a montante, causando a criptomenorréia. O tratamento desta
malformação consiste na ressecção do septo, seguida de sutura
das bordas livres das paredes vaginais, no sentido
Antero-posterior.
1.2 – O septo longitudinal da vagina divide o órgão em duas metades: direita e esquerda. Esta malformação é dificilmente descoberta na adolescência. É percebida no início da atividade sexual, quando o septo poderá se constituir em obstáculo ao coito. Outras vezes, somente se encontra o septo durante o trabalho de parto. A correção desta anomalia consiste na ressecção do septo junto às linhas de sua implantação.
1.3.1 e 1.3.2 – A agenesia vaginal (fig. 10) pode ser parcial ou total. A agenesia total se acompanha, geralmente, de agenesia uterina. Menarca retardada poderá levar a paciente ao consultório e a malformação acabará diagnosticada. Não raro, a anomalia somente é percebida ao início da atividade sexual. No caso de haver útero funcionante, instala-se a criptomenorréia. A agenesia parcial pode verificar-se nas metades proximal ou distal da vagina. Seu tratamento é cirúrgico, e consiste em debridamento, revestindo-se a cavidade com retalho de pele (técnica de Mclndoe).
Agenesia vaginal
2.1 – Atresia da cérvice determina obstrução do trato genital.
Sua conseqüência, após a menarca, é a criptomenorréia. O
tratamento indicado é o debridamento cirúrgico do acolamento.
2.2 – O útero pode faltar, na sua totalidade. A malformação é, em geral, acompanhada de agenesia de vagina.
2.3.1 – A falta de canalização dos ductos de Muller, no período da organogênese, determina que o corpo do útero se apresente rudimentar ou sólido. Esta anomalia se acompanha de atresia cervical e agenesia de vagina.
2.3.2 – Útero hipoplásico é o que apresenta colo e corpo do mesmo comprimento, ou seja, de proporções iguais entre si. O estado de hipoplasia uterina é, normalmente, fase transitória entre o útero infantil e o adulto. Se, no entanto, tais proporções se mantêm, o útero permanece pequeno. O tratamento desta malformação consiste na administração de estrogênio e progesterona, sendo recomendado o seguinte esquema: benzoato de estradiol, 1mg por via intramuscular, nos 10°, 15° e 20° dias do ciclo e progesterona 25mg intramuscular, nos 16° e 21° dias do ciclo, devendo o tratamento ser mantido por, no mínimo, um ano.
2.3.3, 2.3.4 e 2.3.5 – Os úteros unicórnios, arqueados e bicórnio, raramente são diagnosticados na adolescência. A correção do útero bicórnico é feita pela operação de Strassmann que, no entanto, não deve ser praticada durante o período de desenvolvimento, mas sim, no período de maturidade sexual.
Útero unicórnico
2.3.6 – O útero didelfo decore da permanência do tabique mediano por ocasião da soldura dos ductos de Muller. Pode ser encontradas duplicidade de corpo e de colo, e a vagina com septo longitudinal. O tratamento cirúrgico, realizado apenas na idade adulta, será determinado pelas características de cada caso.
Útero didelfo
Útero didelfo - aspecto cirúrgico
Criptomenorréia
Obstruções do canal genital impedem o escoamento do sangue
menstrual acumulado após a menarca. Instala-se, então, a
criptomenorréia ou pseudo-amenorréia. Imperfuração himenal,
septo vaginal transverso imperfurado, agenesia vaginal com útero
funcionante e atresia do canal cervical, são as malformações
responsáveis pelo acúmulo do sangue menstrual. Suas
conseqüências são: hematocolpo, hematométrio, hematossalpinge e
hematoperitônio a sintomatologia se constitui de dor em cólica,
de caráter periódico e engravescente; formação tumoral no
hipogástrio e finalmente, abdome agudo hemorrágico. A anamnese
revela ausência da menarca e dor abdominal. O abdome pode
encontrar-se abaulado (fig. 11). Pelos exames dos genitais
externos se constata imperfuração himenal. A vaginoscopia
evidencia o septo vaginal e a atresia do canal cervical. O
diagnóstico diferencial da criptomenorréia deve ser feito com
gravidez tópica e com cisto ovariano. Nos casos de
hematoperitônio, é comum a confusão diagnóstica com cistos de
ovário torcidos, motivando indevida laparotomia exploratória de
urgência. É importante atentar para o fato da paciente ainda não
ter menstruado antes.
Abaulamento do abdome por criptomenorréia
O tratamento da criptomenorréia é cirúrgico, e deve ser feito inicialmente por via baixa, visando à drenagem do sangue acumulado.
Se o hímen é imperfurado, pratica-se a himenectomia por incisão cruciforme, com retirada econômica da parte central da membrana (figura 13). A agenesia vaginal, os septos transversais e a atresia da cérvice, devem ser inicialmente debridadas, para o escoamento do sangue. No pós-operatório imediato, prescrevem-se ocitócitos e antibióticos com a finalidade de auxiliar a involução uterina e prevenir infecção. Possivelmente será necessário um segundo tempo operatório, para garantir a permeabilidade do canal genital. Tal conduta será ditada após a interpretação dos resultados dos seguintes exames: colpovirgoscopia, vaginograma, laparotomia e/ou pneumopelvigrafia.